A DOR DA SOLIDÃO E A VITÓRIA DO AMOR


a) O Que é a Solidão
b) Sem Amor a Solidão Esmaga-nos
c) Situações Geradoras de Solidão
d) Conhecer e Superar as Raízes da Solidão
e) A Solidão e a Força da Fé
f) A Vitória do Amor

a) O Que é a Solidão
Há uma solidão que domina a pessoa de modo permanente, minando a sua alegria e bloqueando as suas energias espirituais.
Esta solidão é um sintoma claro de um estado depressivo. A cura deste tipo de solidão está dependente da cura do estado depressivo.
Para desta solidão crónica que a pessoa sozinha não pode eliminar, existe uma enorme variedade de experiências de solidão, as quais devem ser analisadas, a fim de a pessoa conhecer as suas causas e vencer os seus sintomas dolorosos.
A pessoa está em solidão quando se sente isolada e posta de lado pelos outros.
Há pessoas que se sentem o sofrimento da solidão porque se julgam diferentes do comum das pessoas ou então porque têm a sensação de serem indiferentes para os demais.
É importante não confundir solidão com estar só. Uma pessoa pode estar só e sentir-se profundamente integrada e em comunhão com os demais seres humanos.
Podemos estar no meio de uma grande solidão e sentirmo-nos profundamente sós. Por outras palavras, no meio de uma grande multidão a pessoa pode estar a sofrer de uma grande solidão.
Por outro lado, uma pessoa pode ter feito a opção de estar só sem que isso signifique que esteja a fazer uma experiência de solidão.
Não devemos ignorar que, no mais profundo da nossa interioridade pessoal-espiritual há um ponto de encontro que, enquanto estivermos em realização na história, nunca estará plenamente preenchido.
De facto, a pessoa humana está talhada para a perfeita e plena reciprocidade amorosa. Mas o nosso ser exterior ou individual condiciona as possibilidades de uma plena reciprocidade e comunhão enquanto estamos na história.
É isto que explica que mesmo os casais que se amam profundamente experimentem, por vezes, uma certa solidão.



b) Sem Amor, a Solidão Esmaga-nos
Sem amor, a vida humana não tem sabor e, portanto, a pessoa não tem razões válidas para viver.
É o amor que confere qualidade humana à vida das pessoas.
O amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem o coração das pessoas e como meta a fraternidade e a comunhão.
Os seres humanos não nascem humanizados.
Nascemos como seres totalmente egocêntricos e incapazes de eleger o outro como alvo de bem-querer.
A humanização é um processo gradual que implica decisões, escolhas e opções marcadas com o selo do amor.
Não basta que o nosso corpo cresça para crescermos automaticamente em humanização.
Eis o modo como o ser humano se humaniza:
Cresce como ser espiritual através das relações de amor com os outros.
Crescer espiritualmente significa que a nossa interioridade pessoal cresce em densidade espiritual e em capacidade para eleger os outros como alvo de bem-querer.
Por outras palavras, à medida em que cresce como interioridade pessoal-espiritual, o ser humano torna-se capaz de comungar mais e melhor com os outros.
Sem amor é impossível acontecer a humanização do Homem.
Não basta ser inteligente. A inteligência sem amor gera perversões e cria armas assassinas que matam muitos milhões.
Sem amor, o sucesso torna as pessoas arrogantes e opressoras.
Sem amor,
A justiça torna-se prepotente e injusta.
Sem amor, a riqueza torna as pessoas avarentas e desumanas.
A verdade, sem amor, converte-se em afirmações agressivas que vão magoar os outros.
A beleza, sem amor, deixa de ser um caminho para a ternura e a comunhão.
A autoridade, sem amor, torna as pessoas tiranas, levando-as a machucar aqueles que lhe são subordinados.
O trabalho, sem amor, torna as pessoas infelizes e subservientes.
Se for realizado num clima de amor, o trabalho converte-se num modo privilegiado de a pessoa se realizar e se tornar um ser válido para a sociedade.
A oração, sem amor, torna-se rezas de fariseus e, portanto, geradoras de hipocrisia.
Se amor, as leis geram servilismo e mecanismos de revolta.
O amor é criativo:
Todos os dias inventa gestos e atitudes adequados para ajudar os outros a crescer.
Sem amor, a fé não é teologal, isto é, não tem os horizontes da Palavra de Deus.
A vida teologal é dinâmica de Fé, Esperança e amor ao jeito de Cristo ou Caridade.
O amor gera sempre vida e vence a morte.
O amor dos outros capacita-nos para amar e concede-nos as possibilidades de nos realizarmos.
Os nossos planos e opções de amor são o modo de realizarmos os talentos ou possibilidades de amar que recebemos através do amor dos outros.
Eis a Lei do Amor:
O amor dos outros capacita-nos para amar e os mal amados ficam a amar mal, sem disso serem culpados.
Amar mal significa amar com bloqueios, tropeções e limitações.
A pessoa humana não consegue realizar-se e ser feliz sem a temperatura do amor.
A solidão é o alarme que nos avisa de que algo está a ir mal em relação ao amor e à amizade.
Acontece quando a nossa vida não encontra um suporte forte para se sentir segura.
A criança que se perdeu dos pais num lugar desconhecido faz uma experiência terrível de solidão.
Sente que os fundamentos da sua vida estão a desmoronar-se.
Terrível é também a solidão da criança que perdeu os pais num acidente.
É dura a solidão das pessoas que, apesar de viverem numa casa, não têm um lar.
O amor é a temperatura que faz que uma casa se torne um lar é o amor.
Sofrem de grande solidão as pessoas que apenas ouvem o eco da sua voz.
Solidão é sentirmo-nos perdidos numa grande cidade onde não temos amigos que nos escutem, nos compreendam e dêem os parabéns pelas coisas boas que fazemos.
É dolorosa a solidão do rapaz que está num campo de futebol, tem uma bola, mas não tem um amigo para jogar.
Solidão tem o menino ou a menina que fizeram um desenho muito bonito e não têm um pai ou uma mãe a quem o mostrar.
Solidão é o que sente uma pessoa que acaba de fazer uma experiência muito bonita e não tem com quem a partilhar.
A solidão brota quando o amor não surge no dia a dia das nossas relações com os outros.
Quando a solidão invade o coração, dos olhos brotam lágrimas que parecem gotas cristalinas de chuva a cair do céu.
Quando a solidão te invadir põe-te esta pergunta: “Que hei-de fazer para amar alguém?”
O que é que eu posso partilhar com os outros, a fim de os ajudar a ser mais felizes?
O amor é o único alicerce sólido para edificar uma pessoa realizada e feliz.

c)Situações Geradoras de Solidão
São muito variadas as situações que podem gerar na pessoa sentimentos de solidão.
A solidão acontece porque a pessoa é um ser essencialmente um ser social.
A plenitude da pessoa acontece na comunhão. A solidão reflecte o seu malogro.
A condição social da pessoa inclui muitas facetas:
Aspecto familiar;
Relações de amizade;
Grupo de pertença;
Contexto cultural;
Contexto social mais vasto e outros.
Quando uma pessoa perde uma pessoa de família ou um amigo muito próximo faz uma experiência dolorosa de solidão acompanhada de uma dor muito íntima.
Mas esta experiência de solidão é muito distinta da experiência de solidão feita por uma pessoa que se sente excluída de um grupo. É a experiência de ostracismo, a qual é geradora de um sentimento de solidão muito diferente da experiência anterior,
Para superar o primeiro sentimento de solidão, a pessoa tem de encontrar alguém que, de algum modo, possa colmatar a perda sofrida pela morte.
Para superar a segunda experiência de solidão, a pessoa tem de relativizar o valor e a importância do grupo que a marginalizou, procurando realizar-se em relação a outros grupos.
Na medida em que o grupo que procedeu deste modo passe a ser visto como de pouco valor ou importância a exclusão passa a não ser sentida como perda tão dolorosa.
Uma outra experiência de solidão muito profunda é a de uma pessoa que muda para outro contexto cultural.
Os costumes, os hábitos, os diferentes modos de ver e valorizar as coisas são causa de grande solidão para a pessoa recém chegada. É o caso dos emigrantes.
Esta solidão é muito maior se a pessoa recém chegada sente que não bem tolerada pelo contexto social dominante.
Este sentimento de solidão vai diminuindo à medida em que a pessoa consegue integrar-se no novo contexto cultural.
Existe depois a solidão provocada pelo facto de a pessoa ser também um indivíduo.
Os seres humanos são constituídos por uma interioridade espiritual que é o “eu” pessoal.
Este está talhado para a perfeita reciprocidade e comunhão amorosa. Quando isto acontecer, a solidão não terá mais lugar.
Mas o “eu” interior ou espiritual está a emergir e a configurar-se dentro do “eu” exterior ou individual.
Este é mesmo um indivíduo, isto é, algo indivisível que não pode atingir a total reciprocidade e comunhão.
O eu exterior é gerador de solidão. Eis a razão pela qual todos os seres humanos fazem periodicamente a experiência da solidão.
Existe ainda a solidão dos mal amados. Somos seres históricos. Para nos dizermos temos de contar uma história.
Todas as experiências dolorosas da nossa vida estão registadas no nosso cérebro, formando um entretecido interactivo.
Quando este entretecido é constituído por muitas experiências de recusas de amor por parte dos outros, gera situações de grande sofrimento e solidão.
Esta é a solidão dos depressivos, os quais vivem a experiência da solidão como algo habitual que os esmaga.


d)Conhecer e Superar as Raízes da Solidão
Ninguém sofre de solidão sem saber. Há uma série de sintomas que acompanham que são sinais evidentes dos sentimentos de solidão.
Eis alguns sintomas que acompanham a experiência da solidão.
Mas devemos concluir que as pessoas que estão a viver a experiência da solidão tenham estes sintomas todos:
As pessoas podem ter a sensação:
*De que ninguém se interessa com elas.
*De que os outros só as procuram na medida em que lhes são úteis.
*De que ninguém as compreende.
*De que não conseguem interagir satisfatoriamente com os outros.
*De que têm de se relacionar com pessoas de que não gostam, a fim de preencher o vazio da solidão.
*De que são diferentes dos demais.
*De que ninguém se interessa por aquilo que são.
*De que sentem raiva sem razão aparente ou dão consigo a gritar.
*De terem medo de que os outros as abandonem.
*De estarem muitas vezes tristes e vazias.
*De que, sem saber bem porquê, estão a caminhar para comportamentos destrutivos tais como beber ou comer demasiado.
*De que a sua afectividade não encontra realização em alguns dos seus aspectos mais profundos.
*De que não são aceites, de que ninguém as ama. Mesmo que os outros não sintam isto a respeito dessas pessoas.
*De que lhes faltam muitos dos laços afectivos que teve outrora.
*De que não têm com quem partilhar as suas experiências e preocupações.
*De que sentem só e não têm outra alternativa.
*De que a auto estima está muito em baixo.
*De que os outros estão sempre a julgá-la.
*De que estão isoladas, sós e a normalmente infelizes.
A solidão empobrece as capacidades espirituais da pessoa, pois consome a maior parte das suas forças interiores à volta destas.
A vitória sobre a solidão não é uma questão de arranjar muitas ocupações, acabando por cair no activismo que esvazia a vida interior da pessoa.
Mas é importante reconhecer as próprias qualidades e desenvolvê-las, procurar conviver agora e não se refugiar em sonhos de um futuro cor-de-rosa.
A solidão não deve ser vista como o resultado do centrismo. Trata-se de uma experiência dolorosa que a pessoa não cultiva sem mais nem menos.
Todos sentimos necessidades de interagir e comunicar com outras pessoas.
Todos sentimos necessidade de amar, de ser amados e valorizados.
A solidão é o sinal claro de que o nosso coração tem fome de relações significativas e afectivamente satisfatórias.
Quando as relações de amizade, de comunhão fraterna e inter ajuda falham, surge a solidão.
Tentar iludir os sentimentos de solidão ou sentir-se culpado por ter sentimentos de solidão é o mesmo que tentar iludir a sensação de fome ou sentir-se culpado por tal sensação.
A pessoa humana está talhada para amar e sair de si mesmo.
Mas uma história cheia de recusas de amor por parte dos outros pode levar a pessoa, sem culpa própria, a não ser capaz de deixar de gravitar constantemente à volta de si mesma.
Por mais esforça que faça, a pessoa sozinha não é capaz de sair desta situação.
O amor dos outros é fundamental para uma pessoa vencer as situações profundas de solidão.
Por vezes a solidão é um estado habitual como é o caso dos depressivos.
O sofrimento, nestes casos é um verdadeiro martírio. Nestes casos torna-se necessária uma psicoterapia para ultrapassar esta situação.
Uma pessoa que se sente amada não tem problemas para fazer amizades e criar situações de sucesso.
Em resumo: a solidão é uma experiência muito frequente na vida das pessoas.
No fundo é um apelo a procurarmos relações de comunhão amorosa.
A experiência da solidão é um apelo a buscar o amor.
A pessoa que sente a solidão de modo muito profundo deve buscar as mediações adequadas para ultrapassar esta situação.
É muito importante que a pessoa não se sinta culpada pelos seus sentimentos de solidão.
É fundamental que a pessoa não tente iludir ou ignorar os seus sentimentos de solidão, pois procedendo assim está a fechar-se ao essencial.
É importante que a pessoa não se descreva como um ser em solidão.
A pessoa está talhada para a comunhão. Quando a solidão acontece, isso significa que há carências significativas a nível das relações de amizade.
Se a solidão não for um estado habitual resultante de uma depressão, a pessoa pode contrariá-la.
Eis algumas sugestões para ajudar a pessoa a ultrapassar a experiência dolorosa da solidão:
*Pôr-se a hipótese de um trabalho voluntário. A sensação de ser útil fortalece a sua auto estima.
*Empenhar-se num grupo da sua paróquia ou de uma associação cultural ou recreativa.
*Cultivar a arte de saudar as pessoas e iniciar uma conversa com as que lhe são mais próximas.
*Convidar uma pessoa conhecida para tomar café.
*Procurar desmontar as defesas criadas com pessoas do passado, as quais não têm nada a ver com as pessoas que conhece hoje.
*É importante tomar consciências dos próprios preconceitos, a fim de não meter as pessoas que encontra dentro de moldes nos quais estas pessoas não cabem.
*Habitue-se a cultivar pensamentos positivos, descobrindo as próprias qualidades e capacidades.
*A Internet pode proporcionar uma excelente ajuda no sentido de vencer a solidão.
*Procure vencer a passividade e tornar-se mais activo. Mas sem cair no activismo, fuga desgastante que acaba por agravar a situação.
*Contrarie a tendência de pensar que a sua solidão é uma característica inalterável do seu ser.
* Reforce a ideia de que a solidão é uma experiência à generalidade dos seres humanos.
*Procure criar novas situações em que possa comunicar e fazer bem aos outros.
*Evite magoar-se, sabendo distinguir o que é possível e viável daquilo que o não é.
*Não desista de realizar as outras necessidades e aspirações só porque o sentimento de solidão persiste.
*Explore a possibilidade de fazer sozinho aquilo que habitualmente fazia em companhia de outras pessoas: ver cinema, concertos, actividades culturais ou desportivas.
*Não passe a vida a culpar-se ou a culpar os outros pelo seu estado de solidão.
Lembre-se de que a solidão é uma experiência que todas as pessoas experimentam alguma vez na vida.
*Procure vencer essa relutância em assumir comportamentos em que afirme as suas reais qualidades.
*Procure não se olhar com as lentes baças do negativismo, o qual é sempre gerador de solidão. Não seja intolerante para consigo.
*Ouvir música e ler bons livros são uma actividade muito positiva, capaz de ajudar a vencer a solidão.
*Se é crente não deixe de ocupar algum tempo na oração ou meditação diária.
No interior de cada pessoa existe uma fonte de energias extraordinárias. Se a pessoa procura explorar e desenvolver estas energias pode atingir níveis insuspeitáveis de realização e felicidade.
Se for crente pode descobrir que a fonte de alegria, o Espírito Santo, habita no seu íntimo.
Se criar o hábito de dialogar com este hóspede divino o crente pode passar da experiência da solidão à de pessoa consagrada pelo Espírito Santo, a fim de comunicar o Evangelho da Alegria às pessoas.
e)Solidão e a Força da Fé
Não devemos confundir solidão com estar só e cultivar o silêncio.
Enquanto a solidão é uma experiência em que a pessoa sente que lhe falta algo de fundamental, no silêncio e na escolhe de estar só é o resultado de uma opção.
Todas as pessoas criativas sentem uma necessidade enorme de estarem sós e em silêncio.
Só as pessoas muito vazias e medíocres não sentem a necessidade de fazer, de tempos a tempos, momentos de silêncio e interiorização.
Na experiência da solidão a pessoa sente-se vazia. No silêncio criativo, a pessoa sente-se cheia de possibilidades de realização.
A solidão é uma experiência de insatisfação no que se refere às relações de encontro e diálogo com os outros.
Na opção do silêncio, a pessoa sente que está a fazer desabrochar um feixe de capacidades e forças interiores que vão enriquecer muito a vida dos outros.
O silêncio criador desenvolve capacidades de comunicar novas riquezas que amadurecem no interior da pessoa.
A solidão, pelo contrário, mina e enfraquece as capacidades de comunicação e diálogo com os outros.

É importante visitar um amigo ou uma família desprotegida.
Do mesmo modo ajuda muito fazer coisas que nos ajudem a esquecer a experiência da solidão.
Ultrapassar a atitude habitual de passividade em que a pessoa se sente mal devido à solidão e nada faz para a ultrapassar ou vencer.
Muitas vezes esta passividade conduz a pessoas para comportamentos doentios como seja dormir comer e medicar-se exageradamente.
À luz da fé, o melhor caminho para a pessoa vencer a solidão é pôr-se a servir em vez de esperar que a sirvam, como Jesus ensinou.
Isto não se aplica à solidão habitual que resulta de um estado depressivo.
Neste caso, a pessoa deve procurar um tratamento adequado.
À medida em que uma pessoa amadurece e se torna espiritualmente forte, é nos momentos de silêncio em que acontece a oração e a meditação que a pessoa se sente menos só.
A pessoa que cresce na vida espiritual sente menos a solidão quando está só do que quando está no meio de muito barulho.
O evangelho de São João diz que quando estamos em sintonia com a vontade de Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo habitam no mais íntimo de nós mesmos (Jo 14, 21-23; 17, 21-23).
A Fé oferece ao crente um leque enorme de possibilidades para vencer os sentimentos de solidão que condicionam a realização e a fecundidade espiritual da pessoa.
Os grupos de reflexão da fé, de oração, bem como bem como as pequenas comunidades cristãs vivas são espaços privilegiados para o crente vencer de maneira satisfatória os sentimentos de solidão.
Como grupos fraternos, as comunidades apostólicas eram alfobres onde a alegria eram uma manifestação permanente e as forças espirituais emergiam e eram permanentemente optimizadas.
São Paulo chama a estas comunidades a Casa de Deus ou a Família de Deus (Tit 3, 15; 5, 1-2).
Ao ser incorporado na comunidade pelo baptismo, o crente entrava na família de Deus, cujo princípio animador é o Espírito Santo.
Na comunidade, o cristão fazia a experiência da alegria e do amor como dons do Espírito Santo, pessoa divina cujo jeito de actuar é ser princípio animador de relações e vínculo de comunhão orgânica.
Eis o que São Paulo diz sobre a acção do Espírito Santo na vida da comunidade:
“Por outro lado, são estes os frutos do Espírito: Amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e auto-domínio. Contra estas coisas não há lei” (Ga 5, 22-24).
Jesus Cristo foi rejeitado pelos fariseus, os saduceus, os doutores da Lei e os sacerdotes.
Apesar disso, Jesus declarava que nunca estava só, pois estava permanentemente unido ao Pai (Jo 16, 32).
Deus criou-nos para a comunhão, não para a solidão. Eis o que a este respeito diz o livro do Génesis:
“Então o Senhor Deus disse: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2, 18).
São Paulo, grande conhecedor do pensamento bíblico, diz que estamos talhados para formarmos uma comunhão orgânica que é precisamente o contrário da solidão:
“O olho não pode dizer para a mão: “não preciso de ti” (1 Cor 12, 21).
Fomos criados à imagem de Deus que é uma comunhão de Deus pessoas.
É sinal de maturidade espiritual escolher momentos de silêncio. Mas isto não tem nada a ver com solidão.
Jesus, diz São Marcos, muitas vezes se levantava cedo, e retirava-se para sítios retirados a fim de orar a Deus no silêncio (Mc 1, 35).
São Lucas diz que Jesus se retirava muitas vezes para sítios solitários, a fim de orar (Lc 5, 16).
Deus revela-se aos santos e aos profetas no silêncio e não no meio dos ruídos (Dan 10, 8; Lc 9, 36; Mt 14, 13; Mc 1, 35).
Depois de um dia de grande actividade apostólica, Jesus convidou os discípulos a retirarem-se com ele para um lugar solitário (Mc 6, 30-32).
Os homens de Deus podem experimentar muitas vezes a solidão. Isto acontece quando verificam que os homens rejeitam a mensagem que anunciam:
A solidão provocada pela rejeição da Palavra de Deus afecta de tal o profeta Elias que este deseja morrer (1 Rs 19, 3-5).
São Paulo sente-se muito só, pois os irmãos que trabalhavam com ele na evangelização abandonaram-no (2 Tim 1, 15; 2 Tim 4, 10).
Até no momento de ser julgado, Paulo sentiu-se sozinho:
“E na minha primeira defesa ninguém veio apoiar-me, pois todos me abandonaram” (2 Tim 4, 16).
O próprio Jesus Cristo, no momento do seu julgamento ficou sozinho e abandonado (Mc 14, 50; Mt 26, 56).
A rejeição do Apóstolo é um sinal de autenticidade da sua mensagem.
Por isso esta experiência aparece nas bem-aventuranças como sinal de eleição por parte de Deus:
“Bem-aventurados sereis quando os homens vos odiarem, excluírem e insultarem por causa do nome do Filho do Homem” (Lc 6, 22).
Apesar de ser rejeitado pelos judeus, Jesus declarava que não se sentia só.
Como estava consciente da presença do Espírito no seu íntimo, Jesus sentia-se em profunda comunhão com Deus.
O evangelho de João faz questão de sublinhar que, apesar de os discípulos abandonarem Jesus, este sente que não fica só:
“Está para chegar o momento em que sereis dispersos cada qual para seu lado. Deixar-me-eis totalmente só.
No entanto eu não estou só, pois o meu Pai está comigo” (Jo 16, 32).
E ainda:
“Eu não estou só. Aquele que me enviou está comigo. Ele nunca me deixa só” (Jo 8, 16; 8, 29).
A primeira Carta de São Pedro dá aos que se sentem sós um conselho muito bonito, quando diz:
“Lançai as vossas preocupações sobre Deus, pois ele cuida de vós” (1 Pd 5, 7)
Como Deus criou o Homem à sua imagem entendeu que não era bom que ele estivesse só. Por isso criou a Eva, diz o livro do Génesis (Gn 2,18).
De tal modo a solidão resultante da rejeição e perseguição dos inimigos era grande que o profeta Jeremias amaldiçoou com palavras cheias de dureza o dia do seu nascimento:
“Maldito seja o dia em que eu nasci!
Não seja abençoado o dia em que minha mãe me deu à luz!
Maldito o homem que levou ao meu pai a notícia do meu nascimento, dizendo:
“Nasceu-te um filho, alegra-te por ele!” (Jer 20, 14-15).
Jeremias foi consolado pela força do Espírito Santo, acabando por se encontrar realizado. O mesmo acontece com todos aqueles que gastam a vida pela causa da Palavra de Deus.

f) A Vitória do Amor
Sem amor,
O coração humano está vazio.
Torna-se árido como um deserto ressequido.

A solidão consiste precisamente em ter o coração vazio.
A razão deste vazio consiste no facto de a pessoa ter sido talhada para o encontro e a comunhão.
O coração é o núcleo profundo a partir do qual emerge e se configura a nossa interioridade espiritual.
É a raiz da qual brota a seiva que alimenta as nossas relações de comunhão.
No coração vazio não germina a alegria que dá vigor à existência.
Sem amor no coração,
A pessoa não consegue possuir-se nem atingir a sua plenitude.
Na verdade,
A pessoa só se possui na medida em que comunga.
Sem um coração animado pelo amor,
A pessoa não tem capacidade para se encontrar com os outros de modo construtivo.
Sem amor no coração a pessoa está afundada nesse abismo de silêncio que é a solidão.
Mesmo que grite não consegue fazer-se ouvir, pois só encontramos eco verdadeiro nas pessoas com as quais comungamos.
Sem amor,
O coração da pessoa é um espaço onde apenas habita a angústia e o medo.
Quando o coração está vazio, a pessoa experimenta a morte!
Sem água,
As plantas secam e os animais não podem viver.
Assim acontece à pessoa que não tem amor no coração.
O amor é uma dinâmica de bem-querer que tem como origem a pessoa e como meta a comunhão.
Com um coração vazio de amor,
A pessoa está privada da força necessária para construir a vida.
Só o amor preenche o coração humano.
Amar é eleger o outro como alvo de bem-querer,
E aceitá-lo como é,
Apesar de ser diferente.
Amar é também agir de modo a facilitar a realização e a felicidade dos outros.
Amar é encontrar-se plenamente.
Com efeito, a pessoa só se encontra e possui na medida em que se dá.
É importante cultivar atitudes e realizar pequenos gestos que impeçam o coração de ficar vazio:
Dar ânimo às pessoas que nos rodeiam e se encontram abatidas ou tristes.
Ver nos outros pessoas queridas de Deus, membros da grande Família Divina e amá-las, fazendo-lhes o bem que pudermos.
Não nos deixarmos dominar pelo desejo de ter sempre mais sem pensar nos outros.
Resistir à tentação de querer ser sempre o maior e dominar os demais.
Não me deixar conduzir apenas pelas coisas que me são agradáveis, mas saber renunciar ao prazer de uma coisa quando isso é importante para o meu crescimento e maturidade.
Mostrar o meu amor e a minha solidariedade, ajudando nos trabalhos lá de casa como, por exemplo, lavar a loiça sem protestos nem mau humor.
Pensar em pequenos gestos que fortaleçam as relações de amor com os membros da família.
Evitar atitudes que possam mostrar indiferença em relação às pessoas com quem vivo, tanto em casa como na escola ou no lugar de trabalho.
As pessoas atentas aos pequenos gestos de atenção e bem-querer não experimentarão a dor de um coração vazio.
São Paulo foi o grande cantor do amor ao jeito de Cristo, isto é da caridade.
Eis o que ele diz:
“Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos,
Se não tiver caridade,
Sou como um bronze que soa ou um címbalo que retine.
Ainda que eu tenha o dom da profecia e conheça todos os mistérios e toda a ciência,
Se não tiver caridade.
Ainda que eu tenha uma fé tão grande que transporte montanhas,
Se não tiver caridade,
Nada sou.
Mesmo que eu distribua todos os meus bens e entregue o meu corpo para ser queimado,
Se não tiver caridade,
De nada me aproveita.
A caridade é paciente e prestável.
Não é invejosa.
Não é arrogante ou orgulhosa.
A caridade não faz coisas inconvenientes,
Nem procura o seu próprio interesse.
A caridade não se irrita nem guarda ressentimento.
Não se alegra com a injustiça,
Mas rejubila com a verdade.
A caridade tudo desculpa,
Tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
A caridade jamais passará” (1 Cor 13, 1-8).
Resumindo este belíssimo hino ao amor podemos dizer:
Sem amor, a nossa vida não é humana e, portanto, não tem qualidade para ser divinizada!
CALMEIRO MATIAS

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